Serendipidade
No meu tempo de faculdade, os smartphones ainda não existiam, o que fazia com que a espera pelo ônibus fosse ainda mais chata e entediante do que é hoje. Como não havia nada para fazer, eu me distraía memorizando o número das linhas que passavam pelo ponto.
E assim transcorreram vários meses, com dias igualmente exaustivos ou, talvez, exaustivamente iguais. Até que, depois de um dia particularmente puxado, desses que você não vê a hora de chegar em casa, uma senhora muito simples me perguntou qual era a condução que vinha surgindo, pedindo desculpas por não saber ler.
Naquele momento, eu imaginei o quão difícil deveria ter sido viver por tantos anos dependendo da ajuda de outras pessoas para tarefas tão corriqueiras quanto utilizar o transporte público.
Foi aí que me ocorreu uma ideia brilhante. E arrisquei: “A senhora consegue ler números?”
Diante da resposta positiva, não pude conter a minha alegria! Não poderia ter sido melhor ainda que eu tivesse planejado. Um verdadeiro caso fortuito de serendipidade. Naquele instante ficou claro para mim que, sem saber, eu havia criado o hábito de decorar todos aqueles códigos só para quando esse dia chegasse.
Expliquei então como cada rota tinha uma numeração diferente e revelei aquela que a humilde senhora deveria aguardar. Com o brilho nos olhos de quem acaba de fazer uma grande descoberta, ela me pedia mais exemplos e treinava a cada coletivo que dobrava a esquina. E para a minha surpresa, foi a própria aluna quem me avisou que o meu transporte se aproximava.
E pela primeira vez em muito tempo eu percorri o caminho para casa me sentindo leve, sem nenhum sinal de cansaço…
Cíntia Reinaux para o Vida de Trainee.
O Correspondente VT é publicado semanalmente às quintas-feiras.
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