Sobre racismo e bicicletas
Um funcionário barrado por não acreditarem que ele trabalhava no Google me fez questionar: o que racistas têm com negros e bicicletas?
Outro dia estava lendo a newsletter The Brief quando me deparei com uma nota sobre Angel Onuoha, um funcionário negro do Google que foi barrado no campus por seguranças que não acreditaram que ele trabalhava na Big Tech.
Ele foi denunciado enquanto andava de bike.
Os dois seguranças o abordaram e o escoltaram para fazer a verificação do crachá, que apresentou um erro, complicando ainda mais a situação, em um processo que demorou 30 minutos e fez com que Angel perdesse o ônibus para casa.
Detalhe: Angel concluiu recentemente a sua graduação em Harvard e é frequentemente entrevistado sobre seus projetos e startups.
Esse caso imediatamente me remeteu ao episódio recente do Leblon, no Rio de Janeiro, em junho deste ano, quando um casal branco acusou falsamente um jovem negro de ter roubado a sua bicicleta elétrica.
Nota da editora: Posteriormente se verificou que Matheus Ribeiro, o instrutor de surfe acusado, havia de fato adquirido uma bicicleta roubada, mas sem o saber, pela internet. Ambos os casos (o da falsa acusação e o da receptação de furto, considerada sem má-fé) já foram arquivados.
Refletindo sobre esses acontecimentos recentes, comecei a me indagar o que racistas têm com negros e bicicletas.
A minha teoria é que andar de bike é um símbolo de liberdade, e ver negros desfrutando dessa emancipação incomoda certas pessoas.
Descobri essa sensação de liberdade durante a pandemia. Com a recomendação de evitar sair de casa, especialmente para lugares fechados, passei a adotar programas ao ar livre, como caminhadas na praia e passeios de bicicleta, naquelas ciclofaixas de domingos e feriados.
Eu não tenho uma bicicleta própria, mas, tenho certeza que, se tivesse, jamais seria parada por qualquer cidadão ou autoridade para provar que sou a dona dela.
Do mesmo modo, nunca precisei me preocupar ao entrar em uma loja com uma mochila nas costas, por exemplo. Nem tão pouco jamais recebi olhares desconfiados ou um alerta no sistema de som para avisar a todos da minha entrada (que feio, Zara!).
Muitas vezes, nós, pessoas brancas, não nos damos conta do imenso privilégio que temos enquanto vivemos em nossa bolha, sem imaginar os tipos de obstáculos e diferenças de tratamento vividas pela metade da população que não tem a mesma cor de pele que nós.
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Acredito que estamos diante de um momento único, em que pressões da sociedade têm provocado mudanças, ainda que tímidas, nas empresas, que vão desde a criação de grupos de afinidade a treinamentos sobre vieses inconscientes e programas de trainee exclusivos para pessoas negras.
Que essas iniciativas possam ir além do discurso e prevenir novos casos de funcionários barrados ou qualquer outro tipo de humilhação provocada pelo racismo.
Enquanto isso, seguiremos vigilantes.
Relato de Angel Onuoha no Twitter/X
Original
Riding my bike around Google's campus and somebody called security on me because they didn't believe I was an employee. Had to get escorted by two security guards to verify my ID badge
A lot of people keep DM'ing me asking for the full story...
They ended up taking my ID badge away from me later that day and I was told to call security if I had a problem with it. And that was after holding me up for 30 minutes causing me to miss my bus ride home
22 de set de 2021
Tradução
Enquanto andava de bicicleta pelo campus do Google alguém chamou a segurança porque eles não acreditavam que eu era um funcionário. Tive que ser escoltado por dois seguranças para verificar meu crachá de identificação.
Muitas pessoas continuam me enviando mensagens diretas pedindo a história completa...
Eles acabaram tirando meu crachá de identificação de mim mais tarde naquele dia e me disseram para chamar a segurança se eu tivesse algum problema com ele. E isso foi depois de me segurar por 30 minutos, fazendo com que eu perdesse meu ônibus para casa.
22 de setembro de 2021