Mitos e Verdades: Triagem de faculdades
Por que, às vezes, mesmo com todos os requisitos, não passamos da fase de inscrições de programas de trainee? Será que existe um filtro de faculdades?
Em posts anteriores sobre Mitos e Verdades, já falei sobre Experiência Internacional e Limite de Idade para os Programas de Trainee. A existência ou não de um filtro que seleciona apenas as faculdades “top de linha” é um outro tema bastante polêmico.
Mito ou Verdade?
Antes de mais nada, cabe lembrar que, na maioria dos casos, a triagem de candidatos é feita por meio de ranking. Alguns critérios são eliminatórios, como período de conclusão do curso fora do estabelecido e nível do idioma inferior ao que foi solicitado. Outros aspectos não eliminam, mas são utilizados para se gerar o ranking dos candidatos, em uma lista decrescente (da pontuação maior para a menor), com critérios que vão desde a fluência em um segundo idioma à formação em, sim, esse é um dos pontos, uma faculdade de destaque.
Quero deixar claro que nem sempre as consultorias/empresas adotam essa prática, mas isso é algo que em geral precisa ser feito para que não tenhamos milhares de pessoas nas etapas presenciais. De acordo com o número de vagas, é feita uma estimativa de quantos candidatos devem ser chamados para a fase de testes. Trata-se de um conta “de trás pra frente”, que segue uma linha de raciocínio mais ou menos assim: Se eu tenho certo número de vagas, devo enviar pelo menos X candidatos para serem entrevistados, de modo que precisarei de no mínimo um número Y nos Painéis, uma quantidade Z nas Dinâmicas e um total de N nos Testes. O cálculo considera, inclusive, possíveis desistências e previsão de quantos serão aprovados/reprovados em cada fase.
Não que um número de candidatos pré-determinado precise ser reprovado em cada fase. É exatamente essa a questão. Não se pode reprovar candidatos que apresentam um bom desempenho nos testes e nas etapas presenciais. O único momento em que é possível deixar de chamar todos os candidatos é o da triagem. A partir desse ponto, torna-se injusto desclassificar alguém que tecnicamente foi aprovado.
Sim, concordo que também é injusto não aprovar na triagem uma pessoa que atende a todos os critérios listados como pré-requisitos na divulgação do Programa. No entanto, temos diante de nós um grande problema, pois as companhias também não podem arcar com os custos e tempo necessários para se aplicar testes e dinâmicas a milhares de candidatos, sendo que para apenas uma dúzia de vagas. Se hoje um processo já chega a durar 6 meses, quanto ele não duraria com um número ainda maior de candidatos a serem avaliados?
Esse é um problema que já foi identificado pelas organizações e consultorias. Portanto, existe hoje um esforço conjunto para o desenvolvimento de novas soluções para os processos seletivos, de modo a torná-los mais justos e transparentes.
Um exemplo disso são os processos que contemplam outras fases virtuais além dos testes on line. Desse modo, é possível aprovar mais candidatos na fase de triagem, uma vez que, com mais passos, o número de candidatos nas etapas presenciais permanece o mesmo ou até menor, além de dar uma cara nova aos processos como um todo e ser uma inovação dentro daquele formato padrão testes-dinâmica-entrevistas que todos conhecemos.
Enquanto isso não se torna a regra, os casos em que a faculdade não é levada em conta continuarão a ser exceção. Mesmo assim, é importante deixar claro que esse não é o único fator observado no ranqueamento de candidatos. Portanto, antes de começar a utilizar a sua faculdade como uma “desculpa” por não passar nos processos, tenha maturidade e discernimento para identificar outros aspectos que podem ser a causa de suas reprovações.
Posso afirmar que absolutamente tudo é analisado nas fichas preenchidas na inscrição: desde atividades acadêmicas e sociais a suas respostas às perguntas subjetivas (aquelas do tipo “Fale sobre a sua maior realização até hoje”).
Ainda assim eu entendo a frustração das pessoas que não tiveram oportunidade de estudar em uma “faculdade top”. Conheço aquele argumento de que muitas das pessoas que entram em universidades públicas ou faculdades particulares “famosas” são de classes privilegiadas, verdadeiros “filhinhos de papai” e que não necessariamente são bons alunos, enquanto que temos ótimos alunos também nas faculdades particulares menos tradicionais.
Ocorre que o próprio fato de o candidato ter conseguido entrar em uma faculdade bastante concorrida demonstra por si só características como determinação e disciplina. Afinal, mesmo com todos os privilégios, não é fácil ser aprovado em faculdades desse nível, muito menos conseguir se formar nelas. Fora que também temos nessas faculdades alunos que estudaram muito, sem maiores regalias, para conseguir a aprovação.
Não pretendo aqui tirar o mérito de quem não estudou em uma “faculdade de nome”, mas temos de admitir que esse fator lá tem o seu peso. E isso acontece em qualquer lugar do mundo: Imagine alguém que se formou em Harvard ou Yale. É natural que isso seja considerado um diferencial. Não que no Brasil necessariamente tenhamos faculdades desse nível, mas a lógica de diferenciação é a mesma.
Também sabemos que, mesmo quando não há nenhuma restrição de faculdades, nas fases finais a maioria dos candidatos continua a vir das faculdades de maior destaque, pois em geral eles conseguem obter as maiores notas nos testes e costumam demonstrar maior preparo nas dinâmicas. Mais uma vez, no entanto, sempre teremos também candidatos de altíssimo nível vindos de faculdades menos prestigiadas.
O importante, como já mencionei, é que as empresas já identificaram que a restrição de faculdades não apenas é considerada injusta como também é um desperdício de potencial, uma vez que muitos candidatos excelentes deixam de ser apresentados por conta disso. De modo semelhante, a falta de etapas regionais limita a participação de candidatos de outras localidades nos processos, o que faz com que a grande maioria dos trainees sejam do Sudeste. Isso também não deveria ser levado em conta?
Se analisarmos os processos de uma forma menos individualista e pararmos de focar apenas no que consideramos que nos “prejudica” como candidatos, perceberemos diversas falhas ou oportunidades de melhoria que nunca sequer reivindicamos, já que essas não nos afetam e sim aos “outros”. A única forma de os processos evoluírem é com a contribuição de todas as partes – empresas, consultorias e candidatos – com críticas relevantes e bem estruturadas, e não uma simples reclamação de algo que “nos prejudicou”.
Espero com esse post ter ajudado a provocar uma nova forma de olhar e criticar os processos.
Uma atualização…
Em 2022, o cenário é totalmente diferente. As organizações que restringem faculdade estão fora de seu tempo e são a exceção. Em um post no Instagram de 2020, comparei os programas de trainee de então ao cenário 10 anos depois, e uma das evoluções identificadas foi justamente a de não termos mais restrições de curso ou faculdade. E aí eu arrisco um palpite: Daqui a mais uma década, em 2032, muitos programas de trainee não exigirão curso superior.