Mitos e Verdades: Quem indica
Quando a aprovação não vem, logo encontramos culpados. Entre eles, o processo de cartas marcadas. Afinal existe Q.I. em programas de trainee?
Tenho notado que, vira e mexe, essa questão aparece e é discutida em diversos fóruns sobre programas de trainee. Acho que ficamos tão chateados quando a aprovação não vem que terminamos por colocar a culpa em algo ou alguém: o processo foi falho, os testes mal feitos, “a consultora não foi com a minha cara” ou, ainda, “o processo tinha cartas marcadas, já sabiam de antemão quem deveria ser aprovado”.
Essa “revolta” eventualmente passa, mas a dúvida e os rumores permanecem em relação à possibilidade de trainees chegarem a essa posição não por mérito, e sim por terem sido “indicados”.
Mito ou Verdade?
A indicação pode ou não existir em diferentes situações, listadas abaixo:
1. O famoso (ou infame) “Q.I.”
A prática do “Quem Indica” é mesmo lamentável e acontece com muito mais frequência do que, como profissional de RH, eu gostaria de admitir. E ela ocorre não apenas no ambiente do serviço público, com os ditos “cargos de confiança”, mas também em grandes organizações, sejam elas familiares ou de capital aberto.
As empresas sérias tentam ao máximo coibir essa prática com políticas rígidas que chegam até mesmo a proibir a contratação de pessoas que tenham qualquer grau de parentesco com os seus funcionários. Ainda assim, alguns casos “escapam” da vigilância dos departamentos de Compliance. Seja porque um gerente quis beneficiar um conhecido, seja porque algum tipo de concessão foi feita em prol da manutenção de um bom relacionamento com “o sindicato”. Pois é, as indicações não vêm apenas “de cima”, mas também de lugares que ao menos em teoria deveriam lutar pelos direitos dos trabalhadores e pela igualdade de oportunidades.
Não posso colocar a mão no fogo por todos os programas de trainee, mas companhias idôneas não contratam trainees por “Q.I.”, simplesmente porque o investimento em um programa como esse é muito alto para que pessoas que não apresentam o perfil adequado sejam contratadas. Sem contar com o risco de o processo perder a credibilidade, o que afetaria a imagem da marca como um todo perante candidatos e consumidores.
Não sejamos ingênuos, indicações do tipo “Q.I.” sempre irão existir, mas os RHs direcionam os “indicados” para outros cargos.
2. Employee Referral
Digamos que o “tipo de indicação” apresentado no tópico anterior representa o “cenário ruim”. Não obstante, convém percebermos que algumas indicações são, como posso dizer, legítimas. Em vários países do mundo (inclusive no Brasil), o mundo corporativo adota o chamado “Employee Referral”, que funciona como uma espécie de Programa de Recompensas destinado a colaboradores que indicam amigos para preencher vagas abertas nos locais em que trabalham.
Por ele, o colaborador dá as “referências” (referral) de seu colega, atestando que se trata de uma pessoa íntegra, com boas qualificações etc. Caso a sua “indicação” venha a ser contratada, o empregado recebe um bônus, normalmente pago após o colega ter passado pelo período de experiência, ou seja, depois da comprovação de que a sua indicação foi adequada à cultura e demandas do cargo.
Essa é a típica relação ganha-ganha: além de ser um incentivo para os colaboradores (financeiro e pessoal), é também uma excelente forma de reduzir custos com processos de R&S que demandam contratação de consultorias especializadas ou que tenham uma difícil captação de candidatos. Sem contar que, ao contratar alguém com boas referências, dadas por pessoas de confiança (seu próprio staff), os riscos de algo dar errado são bem menores.
Eu mesma cheguei a ganhar um bônus pelo Employee Referral na época em que trabalhei no Canadá. A sede precisava contratar alguém que soubesse falar Português, Inglês e Espanhol (algo particularmente difícil em um país onde o segundo idioma é o Francês). Foi então que eles pediram a minha ajuda, por eu ser brasileira e tudo o mais. Em pouco tempo, divulguei a vaga para a Comunidade Brasileira em Ottawa e para a Embaixada, por meio de e-mails de grupo e outros. Eles fecharam a vaga em menos de duas semanas. Se a atração e captação de candidatos houvesse sido realizada por meios tradicionais, o processo poderia ter levado meses para ser concluído.
O que eu quero dizer é que, mesmo quando não existe um programa formal de “referências”, se um recrutador recebe uma indicação de uma pessoa qualificada e ela é aprovada em todas as etapas de seleção, isso é algo bastante válido. Bem diferente de quando um indivíduo é contratado mesmo quando não atende os requisitos necessários, somente por ter sido indicado.
No caso dos programas de trainee, a “modalidade” de indicação por Employee Referral não se aplica. Portanto, o máximo que pode acontecer é o RH dar uma atenção especial, mas não ao candidato em si, e sim ao colaborador que fez a recomendação, que costuma receber um retorno sobre a continuidade ou não de seu colega no processo.
3. Candidatos internos
Por último, temos o Recrutamento Interno. Como política de reconhecimento e valorização dos colaboradores, o candidato interno sempre terá prioridade em relação aos candidatos externos. E isso não tem nada a ver com “Q.I.”.
Cada negócio tem uma forma de conduzir o processo de seus candidatos internos a programas de trainee. Alguns chegam inclusive a abrir exclusivamente para seus estagiários ou só abrem para o público externo as vagas que “sobraram” após a seleção interna.
A maioria, no entanto, faz um processo seletivo único para candidatos internos e externos. Isso não significa, todavia, que os candidatos internos precisam passar por todas as etapas. Afinal, eles já estão lá dentro, sinal de que já foram aprovados em um processo seletivo ao entrarem na instituição. Não que eles não passem por nenhum processo, o que ocorre muitas vezes é que eles participam de etapas com outros candidatos internos e somente nas fases finais se juntam aos candidatos externos.
E nem sempre eles são “beneficiados”. Em algumas organizações, apenas os colaboradores recomendados por seus gestores podem participar do processo. Já ouvi inclusive depoimentos de profissionais que afirmaram não ter sido indicados porque os seus gestores não queriam “perdê-los”.
Também não vou negar que muitas vezes o candidato interno leva vantagem sobre o externo, mas, antes de começar a difamar os programas, seja sensato e tenha um pouco de discernimento. O candidato interno já deu um duro danado para entrar naquele lugar em primeiro lugar, e precisou ralar mais ainda para mostrar um bom trabalho. De certo modo, ele já está um passo à sua frente. Não estou dizendo que você não é merecedor, mas não deixe de enxergar o mérito que esse outro talento também possui e é todo dele. Ademais, se um gestor conhece um colaborador que já tem um excelente desempenho, bom relacionamento e confiança de todos, por que não demonstrar reconhecimento? Por que arriscar com uma pessoa “de fora”?
A resposta para essa questão é simples: O objetivo dos programas é atrair talentos. Se você for "bom” de verdade (tipo “fora da curva”), a alta direção dará um jeito de lhe contratar, nem que tenham de aumentar o número de vagas, promover o candidato interno a um outro cargo ou mesmo lhe convidar para uma posição tão desafiadora quanto a de um trainee.
Caso nenhuma dessas possibilidades aconteça, de certo modo quem perde é a empresa, pois mais cedo ou mais tarde você encontrará uma boa colocação no mercado. Cabe então seguir em frente, sem se deixar esmorecer pelos obstáculos que surgem ao longo do caminho.
Enfim. Esse é um assunto muito controverso e tudo o que fiz aqui foi dar a minha opinião, baseada em minhas experiências como candidata e como recrutadora. De qualquer modo, não recomendo sair por aí se queixando que foi “garfado” para uma vaga por conta de uma indicação. Isso não faz nada bem ao seu equilíbrio emocional e muito menos à sua imagem profissional.