“Era o melhor dos tempos. Era o pior dos tempos”. Essa frase de Charles Dickens, do século XIX, poderia ser adaptada hoje para: “Era a geração mais preparada. Era a geração mais despreparada”.
Estudamos em excelentes escolas, fizemos cursos de inglês, judô, balé e teclado, viajamos para a Disney e outros países, temos diploma e conhecimentos variados em cultura e tecnologia.
Em contrapartida, não sabemos o que é sofrer uma derrota – a não ser que seja no videogame – nem o que é conseguir algo unicamente pelo seu próprio esforço.
Claro que há exceções. Eu mesma, por exemplo, nunca fui pra Disney. Nem tão pouco ganhei um carro quando passei numa universidade pública. Apesar disso, tenho consciência de que entendo muito mais de redes sociais e planilhas de Excel do que de como lidar com feedbacks negativos ou de como agir quando as coisas dão errado.
A vida não é justa. Mesmo quando você se esforça muito e faz tudo certo, sempre haverá algo que não foi possível alcançar. E você terá de aprender a conviver com isso.
Mais de 98% dos milhares de candidatos a trainee não são aprovados. Inclusive aqueles que a gente olha e diz: “esse cara é bom!”. Às vezes, “ser bom” não é suficiente. Até mesmo grandes gênios como DaVinci e Einstein possuíam limitações e tiveram de conviver com elas.
E, convenhamos, nós não somos gênios. Ainda que tenhamos algum talento, ninguém nasce pronto. O nosso “dom” não é mais especial que o dos outros. Apenas o seu esforço e habilidade de lidar com as intempéries da vida serão capazes de lhe dar algum destaque, se essa for a sua intenção.
Reproduzo abaixo os primeiros parágrafos de uma coluna da Eliane Brum, jornalista que consegue como poucos provocar reflexões nas pessoas. Recomendo fortemente a leitura do texto na íntegra.
Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.
Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.
Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.
Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.